UNIVERSIDADE
DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO
DE EDUCAÇÃO CAMPUS VIII/ PAULO AFONSO
LICENCIATURA
INTERCULTURAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – LICEEI
Componente
Curricular: Linguagem
Docente:
Maria Nazaré Mota de Lima
Discente:Ilclênia Campos
Povo
Indígena:Tuxá
SÍNTESE:
TENTATIVAS INCANSÁVEIS DE TRITURAR E
DOMINAR A CULTURA DO DOMINADO
O livro de Paulo Freire, Pedagogia da
Tolerância em seu texto “ Viver é recriar”: um diálogo sobre a educação
indígena”, traz em seu primeiro parágrafo algo que me chamou muito a atenção “Triturar
a identidade cultural do dominado”, frase essa que nos faz pensar o quanto
o dominador é cruel. Ele tenta nos matar de todas as formas, historicamente,
culturalmente e espiritualmente, trazendo nossa história prontinha, contada com
o olhar dele e da maneira que lhe convém, fazendo nós pensarmos que ele é
bonzinho para depois discriminar, inferiorizar e nos deixar invisíveis,
enfraquecidos...
Durante algum tempo essa concepção e
estratégia prevaleceu, mas hoje não toleramos mais esse tipo de manipulação e
agressão, e um exemplo visível é a fala do índio Xavante “se vocês vêm pra
cá oferecer pra gente os primeiros anos de escola, para a gente virar operário
de vocês, a gente quer agora estudos para que possamos ser médicos,
engenheiros, padres, bispos; não é só vocês não...” . A meu ver, as
palavras do Xavante nos mostra que a Educação Indígena não tem ponto de
chegada. E que não deixaremos mais que o dominador diga até onde nós podemos
chegar e até onde a nossa capacidade vai, porque agora entendemos perfeitamente
que quem tem que saber até onde queremos ir somos nós. E o céu é o nosso
limite. Cada vez mais estamos nos apropriando, e usando como instrumento de
poder, o conhecimento universal para podermos escrever e ser protagonista de
nossa própria história e ocuparmos os espaços que antes eram ocupados somente
pelos dominadores, espaços esses que também são nossos, havendo a “desordem
estabelecida”.
Outra questão interessante é a forma
que o autor usa para falar da “manha”, dizendo o seguinte: “Se não fossem às
manhas, os oprimidos se acabariam, não dava para sobreviver. A violência dos
exploradores é tal que, se não fossem as manhas, não haveria como aguentar o
poder e a negação que se encontram pelo país”. Nós povos indígenas, na
maioria das vezes, somos obrigados a usar dessa manha para sobreviver e não
sermos mais dominados nessa e nas gerações futuras. Um exemplo de manha, no bom
sentido, são as aulas de cultura, religiosidade (espiritualidade) que são
ministradas e praticadas em nossas escolas, um direito assegurado nas
Diretrizes Nacional de Educação Escolar Indígena. As pessoas não entenderiam
nossas especificidades e nos julgariam, em meu território já tivemos que usar
dessas manhas diversas vezes, mesmo sabendo que é uma “violência” contra o meu
povo e nossa cultura, o povo Tuxá/Banzaê é muito voltado para a ritualidade, se
envolve como um todo, além de ser uma das formas de nos mantermos unidos, nos
preocupando uns com os outros e ficando mais perto de Deus e de nossos
encantos. Pois bem, um certo dia, chega uma médica na aldeia e diz que estamos
fumando demais e que não deveríamos fumar tanto, principalmente as crianças,
porque a fumaça nos mataria, alguns ficaram pensativos, outros com raiva, mas a
minha resposta foi imediata, e eu disse:” nós não fumamos o tempo todo, fumamos
somente nos rituais”. Usei de manha para me sair daquele julgamento da médica,
mesmo sabendo que o que eu dizia não era verdade, mas eu tinha necessidade e
nem queria explicar a ela o sentido de nossas rodas de cachimbo (poró); muito
menos a faixa etária que cada criança passa a fazer parte dos rituais, assim
como ansiedade delas para que chegue logo a idade para serem inseridas.
Paulo Freire traz também o
questionamento a respeito do discurso e da prática, dizendo: “não é o
discurso que valida à prática, é a pratica que valida o discurso”. Assim temos
que ter a consciência de que o discurso precisa estar conectado com a prática,
e que não é interessante pregar algo e praticar outra coisa. Um exemplo disso
somos nós, estudantes indígenas da LICEEI, que estamos em uma Universidade
fazendo um curso especifico diferenciado, inovador dizendo que faremos a
diferença; no entanto, muitas vezes nos deparamos com situações as quais vão de
encontro a nosso discurso e, simplesmente aceitamos sem questionar, balançando
as cabeças feito lagartixas. Outro exemplo é a situação de descaso pela qual
passamos em nossas escolas indígenas, pois somos sabedores das leis, as quais
asseguram nossos direitos enquanto professores de uma instituição temos nossos
discursos afiadíssimos baseados nelas, mas a prática é outra, na medida em que
nós somos ludibriados, manipulados e engolimos a seco as regras impostas pelo
estado, e ele nos diz:” ou você aceita, ou você aceita”. Neste caso, está
difícil até usar de manha.
Foi gratificante e prazeroso ler o
texto, até porque ele nos faz refletir sobre a nossa realidade e o quanto somos
dominados. Ele tem o poder de nos encorajar e nos induz a agir diante da forma
como as coisas estão postas. Recomendo que professores e alunos leiam, porque
ele é contagiante e instigante.
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